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Israel e a nossa fé: uma reflexão necessária

Amigos e leitores,

Hoje, quero conversar com vocês sobre um assunto delicado, mas que tem tocado o coração de muitos de nós, especialmente em tempos de tantas notícias e conflitos. Vemos bandeiras nas igrejas, ouvimos orações fervorosas e, muitas vezes, aprendemos que apoiar o moderno Estado de Israel é um dever bíblico para todo cristão.

A fé e o amor que muitos sentem pelo povo judeu e pela terra da Bíblia são sinceros e, em grande parte, nascem de um desejo genuíno de honrar a Deus e Suas promessas.

Mas, com a Bíblia em uma mão e a história na outra, eu me sinto convidado por Deus a fazer uma pergunta honesta, que faço primeiro a mim mesmo: será que o Estado de Israel, fundado em 1948, é a mesma entidade do Israel da Bíblia, para o qual devemos reverência sagrada?

Para pensar sobre isso, precisamos desfazer, com carinho, alguns nós.

O nó da história

A história nos conta uma verdade complexa. Após a destruição do Templo em 70 d.C., o povo judeu se espalhou pelo mundo. Foram quase dois mil anos de diáspora. Durante todo esse tempo, a terra que chamamos de Santa foi governada por romanos, bizantinos, árabes, otomanos... Não houve um governo israelita contínuo.

O Estado que vemos hoje no mapa não surgiu como uma continuação direta do reino de Davi. Ele nasceu de um movimento político moderno, o Sionismo, no final do século XIX, e foi oficialmente estabelecido em 1948, após séculos de descontinuidade. A população judaica atual, embora ligada por uma ancestralidade comum, também é fruto de uma longa história de migração e mistura com outros povos. A linha que liga o presente ao passado bíblico existe, mas ela não é uma linha reta e ininterrupta.

Onde Cristo entra na história?

Para nós, cristãos, a pergunta mais importante é esta: qual é o nosso papel em tudo isso? A resposta está na lente que usamos para ler toda a Escritura: a pessoa de Jesus Cristo.

O Novo Testamento nos ensina que Jesus é o cumprimento de todas as promessas feitas ao Israel do Antigo Testamento. Ele é o verdadeiro Templo, o verdadeiro Rei, o sacrifício definitivo. N'Ele, a identidade do “povo de Deus” é radicalmente expandida.

O apóstolo Paulo nos diz que, em Cristo, não há mais judeu nem grego (Gálatas 3.28). Ele explica que a Igreja não “substituiu” Israel, mas foi “enxertada” na mesma oliveira (Romanos 11). O “Israel de Deus” (Gálatas 6.16) passa a ser formado por todos aqueles, judeus e gentios, que estão unidos pela fé ao Messias de Israel, Jesus.

Isso significa que as promessas de Deus não se cumprem mais em um pedaço de terra ou em uma etnia específica, mas de forma universal e espiritual em Cristo e na Sua Igreja, que está espalhada por todas as nações.

Cuidado com a mistura

Quando não entendemos essa centralidade de Cristo, corremos um risco: o de pegar um projeto político moderno e dar a ele um carimbo de aprovação divina que ele não reivindica para si e que a Bíblia não lhe confere. O Sionismo foi um movimento nacionalista, que usou de forma compreensível a linguagem e os símbolos da Bíblia para unir um povo e alcançar um objetivo político.

Nossa tarefa como cristãos não é “batizar” esse nacionalismo. Quando vemos que a busca por uma pátria leva à dor e à expulsão de outros povos que ali viviam — como líderes do próprio movimento sionista admitiram na época —, precisamos nos perguntar se isso reflete o coração do nosso Messias, que nos chamou para sermos pacificadores.

Nossa verdadeira cidadania

Então, como devemos olhar para o Estado de Israel hoje? Com o mesmo olhar que temos para qualquer outra nação: com amor, com oração pela paz e com um desejo profundo de justiça para todos os seus habitantes — judeus, muçulmanos, cristãos e outros. Mas sem lhe atribuir uma reverência sagrada que pertence apenas ao Reino de Cristo.

Nossa lealdade final, nossa cidadania mais profunda, não está em Jerusalém terrena, mas na Nova Jerusalém que desce do céu. Como nos lembra o apóstolo Paulo, “a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Filipenses 3.20).

Nossa bandeira é a cruz. Nosso rei é o Cordeiro. E Seu reino não é deste mundo.

Com carinho, 

Marlon Anezi


Este é um assunto complexo e cheio de paixão. Se esta reflexão te ajudou a pensar, salve-a. E eu adoraria ler nos comentários, com respeito e amor fraterno: como você tem navegado por essas questões em sua comunidade cristã?

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