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O domingo litúrgico vs. A observância do primeiro dia da semana

Neste texto, compartilho uma reflexão que dá continuidade ao tema abordado em vídeos gravados sobre o sábado e em uma conversa que tive com o Pastor César Rios, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), em seu canal. Trata-se de um tema fruto de mais de um ano e meio de pesquisa sobre o sábado, e que agora ganha um novo contorno com a análise da tradição litúrgica do domingo.

É fundamental compreendermos que não é Cristo quem aponta para o sábado do sétimo dia, mas o sábado que aponta para Cristo. Essa distinção é central: o sábado do Antigo Testamento foi um sinal que indicava o descanso definitivo que encontramos em Cristo. Portanto, o nosso verdadeiro sábado é Cristo — Ele é o nosso descanso.

Muitas vezes, interpretações como as feitas por grupos adventistas destacam o número 7 nas Escrituras — os sete dias da criação, sete cartas do Apocalipse, sete selos, sete trombetas — como evidência de que o sétimo dia seria sagrado. No entanto, a leitura mais coerente dessas ocorrências é que todos esses "setes" apontam para Cristo, e não o contrário.

Compreendida essa lógica, também precisamos situar corretamente o papel do domingo. O domingo não substitui o sábado, porque o sábado foi substituído por Cristo. O domingo ocupa outro lugar: ele é um marco litúrgico, um dia de celebração da nova vida recebida por meio da ressurreição de Jesus. Diferente do sábado cerimonial, o domingo tem uma função litúrgica, e por isso é atemporal. Não se limita às 24 horas do primeiro dia da semana, mas se expressa na vida diária, na liturgia da existência cristã.

Assim como o descanso em Cristo transcende dias e horários, o domingo litúrgico também é vivenciado ao longo da semana, e não apenas no culto dominical. A liturgia é consequência da vida cristã, não um rito isolado. Por isso, há liberdade de cultuar também em outros momentos — sábado à noite, quinta-feira, ou quando for apropriado — como já acontece em muitas igrejas luteranas.

O que precisamos evitar é o chamado sabatismo dominical: uma tentativa de guardar o domingo nos moldes legalistas do sábado do Antigo Testamento — sem lazer, sem trabalho, sem qualquer atividade considerada "profana". Essa prática transforma o domingo em adiáforo, ou seja, em algo opcional, que depende da consciência individual. Como diz Romanos 14, alguns fazem distinção entre dias; outros os consideram iguais. Nesses casos, cada um deve agir segundo sua convicção de fé.

Também é comum ouvirmos sobre o princípio do "seis por um" — trabalhar seis dias e descansar um. Contudo, essa ideia não encontra respaldo claro nas Escrituras. Podemos muito bem descansar dois dias e trabalhar cinco, por exemplo. O descanso físico é uma questão de organização pessoal, e não de mandamento rígido.

O importante é entender que todos os dias pertencem a Deus. Não devemos dividir a semana entre dias sagrados e dias seculares. Como diz o Salmo: "Este é o dia que o Senhor fez; alegremo-nos e regozijemo-nos nele." Qual dia? Qualquer um — todos foram criados por Deus. Essa é a verdadeira liturgia da vida diária.

Portanto, o domingo não deve ser visto como uma imposição, mas como expressão da nova vida em Cristo. Ele é um memorial da ressurreição, uma celebração que pode — e deve — acontecer sempre. Assim como o sábado simbolizava o descanso eterno que encontramos em Cristo, o domingo representa a celebração da vida que dele recebemos. Ambos apontam para realidades espirituais maiores. O domingo aponta para Cristo, e não o contrário.

Celebramos essa nova vida diariamente, e por isso, todos os dias podem ser sábado e domingo ao mesmo tempo. Hoje é sábado, porque descanso em Cristo. Hoje também é domingo, porque celebro a ressurreição. Essa é a essência da espiritualidade cristã: viver em Cristo todos os dias, independentemente do calendário.

Espero que esta reflexão tenha lhe ajudado a compreender melhor o significado do domingo e do sábado em nossa caminhada de fé. Que Deus abençoe sua vida e sua compreensão da Palavra, e que possamos seguir celebrando, com liberdade e verdade, a vida que recebemos por meio de Cristo.

Por Marlon Anezi



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