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IA generativa: avanço na produtividade, retrocesso na pesquisa e reflexão

A Inteligência Artificial Generativa tem sido um tema cada vez mais presente em nosso cotidiano, especialmente com sua popularização nos últimos dois anos por meio de chatbots e outras ferramentas acessíveis ao público. De fato, ela tem contribuído de maneira significativa para o aumento da produtividade em diversos contextos. Estudiosos da área, como Christian Barbosa — conhecido por seus trabalhos sobre produtividade —, passaram a abordar a IA como o maior avanço nesse campo. Ele afirma que não mudou de nicho, mas que, por a IA ser hoje o maior recurso disponível em produtividade, é natural que ele fale sobre ela.

No entanto, ao olharmos para o campo da pesquisa acadêmica — especialmente a teológica — a conversa muda de tom. Embora a IA traga agilidade, nem sempre oferece confiabilidade. E quando falamos em pesquisa, isso é essencial. Produzir um artigo, um livro ou um trabalho acadêmico exige informações fundamentadas e seguras, algo que a IA nem sempre consegue fornecer, mesmo com os avanços atuais.

É verdade que algumas ferramentas hoje são capazes de buscar informações na web e trazer múltiplas fontes sobre um assunto. Contudo, isso não garante que sejam fontes confiáveis. Há uma grande quantidade de documentos importantes para a pesquisa que não estão disponíveis online, e a IA não consegue acessá-los. Ainda que seja possível alimentar a IA com documentos em PDF, por exemplo, nem sempre ela os interpreta corretamente. Pode acontecer de uma IA fornecer uma resposta diferente do que realmente está escrito no material enviado, mesmo que a solicitação seja clara.

Dessa forma, o uso da IA na pesquisa exige cautela e supervisão. Não é apenas uma questão de saber escrever bons prompts. Há quem defenda que um bom prompt garante uma boa resposta, mas isso não se sustenta quando falamos da fidelidade das informações. Na teologia, lidamos com fontes antigas, títulos de livros específicos, citações exatas, línguas originais — e muito disso não está acessível online.

A IA, por exemplo, não acessa arquivos em repositórios restritos ou PDFs salvos em drives pessoais. Sua pesquisa se limita ao que está indexado por mecanismos como o Google. E é importante dizer: nem tudo o que é relevante na ciência está no Google. Essa é uma ilusão que muitos alimentam — a de que tudo está disponível na internet —, mas não é verdade. Especialmente no meio acadêmico.

Mesmo quando tentamos usar a IA para ler arquivos específicos, como um PDF com uma citação desejada, é comum ela alterar palavras, adaptar frases, e assim prejudicar a fidelidade da citação. Na pesquisa, precisamos da citação verdadeira para, se for o caso, parafrasear com responsabilidade — e não deixar que a própria IA faça isso automaticamente, com possíveis distorções.

É nesse ponto que a IA, apesar de representar um grande avanço em produtividade, acaba sendo um retrocesso em pesquisa e reflexão. Ela escreve rápido, mas isso não significa que escreva com qualidade. Ainda carece de profundidade, de análise crítica e de pensamento complexo — elementos indispensáveis à pesquisa acadêmica e teológica. Talvez isso mude no futuro. Pode ser que este vídeo, gravado em 25 de junho de 2025, se torne obsoleto em poucos anos. Mas neste momento, essa é a realidade.

Então, dá para fazer pesquisa acadêmica com IA? A resposta é: não, se estivermos falando de uma pesquisa fundamentada apenas na IA. Ela pode ser útil para organizar ideias, ajudar na estruturação de textos ou mesmo revisar conteúdos. Mas não substitui um bom escritor, nem substitui a leitura de livros, artigos, dissertações e outras fontes confiáveis. Ela erra referências, títulos, datas, e até mesmo quando recebe o material certo, pode interpretá-lo de forma equivocada.

Por isso, é preciso ter clareza: a IA pode ser uma aliada na produtividade, mas ainda é superficial no campo da reflexão. Precisamos manter o senso crítico ao utilizá-la, compreender seus limites e saber onde ela pode ajudar — e onde pode comprometer o trabalho. A pesquisa acadêmica continua exigindo leitura, estudo e investigação séria. A reflexão profunda ainda é uma capacidade humana, que a IA não é capaz de reproduzir plenamente.

Ela pode fazer tarefas rápidas, mas não necessariamente bem feitas. Por isso, se você é pesquisador, teólogo, estudante ou escritor, siga usando a IA com sabedoria, mas não abra mão do trabalho intelectual cuidadoso. Afinal, conhecimento não se constrói apenas com velocidade, mas com profundidade e discernimento.

Por Marlon Anezi

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