De vez em quando, um livro não apenas nos ensina algo novo, mas reorganiza a nossa forma de ver o mundo. Para mim, um desses livros foi “Maravilhosa Graça”, de Philip Yancey. Eu o li pela primeira vez em 2016 e, até hoje, o impacto daquela leitura reverbera em mim.
O livro me fez uma pergunta desconfortável, que eu quero compartilhar com vocês hoje.
Nós, cristãos, sabemos — ou pelo menos deveríamos saber — que a graça é o fundamento de tudo. Somos salvos pela graça. Fomos alcançados não porque merecíamos, mas porque Deus, em seu amor inexplicável, decidiu nos amar. A graça é a linguagem oficial do Reino de Deus.
Mas, e na prática? Será que ela é a linguagem que nós falamos no nosso dia a dia?
Se formos honestos, a maioria de nós foi criada em um sistema completamente oposto. Desde pequenos, aprendemos as regras do jogo do mundo: o esforço gera recompensa, o erro gera punição. Quem trabalha mais, conquista. Quem falha, arca com as consequências. É a lógica do mérito. E ela parece tão natural, tão justa.
A gente recompensa quem merece e pune quem não merece. É assim que o mundo funciona.
O problema, a pergunta incômoda que Yancey me forçou a fazer, foi: será que nós, a Igreja, realmente funcionamos de um jeito diferente?
Quando as pessoas olham para os cristãos, para os evangélicos, hoje, a primeira palavra que vem à mente delas é “graça”? Elas pensam: “Que povo bom, misericordioso, acolhedor”?
Eu olho para o nosso cenário polarizado, para as batalhas culturais e políticas, e meu coração se aperta. Muitas vezes, nós, que fomos os maiores beneficiários da graça, nos tornamos os maiores defensores do mérito. Tornamo-nos reis da meritocracia, prontos para apontar o dedo, para lutar, para condenar em nome de Deus, esquecendo que o que nos diferencia não é a nossa justiça, mas o perdão que recebemos quando não tínhamos nenhuma.
E eu preciso ser honesto: antes de ler esse livro, eu mesmo não tinha percebido o tamanho dessa contradição na minha própria vida. Eu também estava mais sintonizado na frequência do mérito do que na melodia da graça.
Parece que nos esquecemos da base da nossa própria história: fomos alcançados quando éramos inimigos, amados quando éramos indignos. Se cremos que fomos salvos pela graça, como podemos viver negando essa mesma graça aos outros em nossas palavras, em nossas posturas, em nossos posts nas redes sociais?
A leitura de Yancey me lembrou que o nosso chamado principal não é disputar espaços de poder, mas ser agentes de reconciliação. O nosso maior testemunho ao mundo não está em discursos inflamados ou em demonstrações de força, mas na forma radicalmente diferente como tratamos as pessoas — especialmente aquelas que, pela lógica do mundo, “não merecem”.
É no perdão inesperado, na generosidade que não faz cálculos, na compaixão pelo diferente. É aí que o mundo para e pensa: “Isso... isso não é normal. De onde vem essa graça?”.
E então, podemos falar de Jesus.
Com carinho,
Marlon Anezi
Se esta reflexão mexeu com você, salve-a para pensar a respeito. E eu te pergunto, com o mesmo incômodo que me fiz: em qual área da sua vida a lógica do mérito ainda fala mais alto que a linguagem da graça?
E para continuarmos essa conversa, quero deixar um convite especial. No canal Teologia e Espiritualidade, fiz uma live onde mergulhamos exatamente neste assunto, explorando ainda mais a beleza e o desafio de viver pela graça.
Será um prazer ter sua companhia. Assista logo abaixo:
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