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Por que a fé cristã não é colonizadora?

Primeiramente, é importante definir o que é ser ou se portar como colonizador. Se refere ao comportamento ou atitude de impor, dominar e explorar outros povos, culturas ou territórios, muitas vezes com a crença de que a própria cultura ou civilização é superior. Este comportamento pode envolver práticas como a subordinação de povos indígenas ou locais, a destruição ou desvalorização de suas culturas e crenças, e a imposição de valores e sistemas externos, como a religião, a política e a economia. A utilização do conceito está frequentemente associada ao período de colonização, quando potências europeias expandiram seus impérios, mas também pode ser entendida de forma mais ampla, em contextos de poder e opressão cultural.

A ideia de que a fé cristã é essencialmente colonizadora ou restrita a uma etnia específica, como a branca, merece uma análise cuidadosa e equilibrada. Embora a religião cristã tenha sido instrumentalizada em determinados contextos históricos para justificar práticas coloniais, sua essência teológica, origem e impacto global transcendem essas narrativas. Refletir sobre essa questão exige explorar suas origens, diversidade e o papel que desempenhou tanto na colonização quanto na resistência a ela.

1º Argumento: A origem multicultural e oriental do cristianismo desafia a visão de que ele é uma religião exclusivamente ocidental ou colonizadora.

O cristianismo nasceu no Oriente Médio, uma região rica em diversidade étnica e cultural. Jesus de Nazaré, um judeu da Palestina sob o domínio romano, e seus primeiros seguidores formaram uma comunidade predominantemente semita. Jerusalém, Antioquia e Alexandria, localizadas em áreas não europeias, foram os primeiros centros do cristianismo. Essa raiz oriental desafia a ideia de que a fé cristã seja intrinsecamente “ocidental” ou “branca”.

Muito antes das expansões coloniais, o cristianismo já havia se enraizado em lugares como a Etiópia, o Egito e a Índia. A Igreja Ortodoxa Etíope, por exemplo, remonta ao século IV e é uma das mais antigas tradições cristãs do mundo, enquanto as comunidades cristãs na Índia têm origens que remontam ao apóstolo Tomé. Esses exemplos mostram que a fé cristã é, desde o início, uma religião multicultural e multicêntrica.

2º Argumento: O cristianismo como ferramenta de resistência contra a opressão colonial.

Paradoxalmente, o cristianismo também foi usado como ferramenta de resistência contra a opressão colonial. Movimentos como a Teologia da Libertação na América Latina e a Teologia Negra nos EUA reinterpretaram o Evangelho como uma mensagem de libertação e justiça social. Líderes como Harriet Tubman, Martin Luther King Jr. e Desmond Tutu encontraram na fé cristã a força para combater a escravidão, o racismo e o apartheid.
A inclusão da fé cristã em movimentos de resistência reforça a ideia de que ela não é unicamente um instrumento de dominação, mas também uma força poderosa para a transformação social e a luta por igualdade.

3º Argumento: A crítica ao uso colonial do cristianismo e a defesa de sua essência inclusiva.

Embora a fé cristã tenha sido utilizada por colonizadores para justificar a exploração, muitos cristãos ao longo da história se posicionaram contra tais práticas. Missionários como Bartolomeu de Las Casas lutaram pelos direitos dos povos indígenas, criticando a violência e a exploração praticadas sob o pretexto de evangelização.
Além disso, a teologia cristã essencial enfatiza a igualdade e a dignidade de todos os seres humanos. Textos como Gálatas 3.28, que afirma “não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus”, apontam para uma visão inclusiva e anticolonial da mensagem cristã.

4º Argumento: A diversidade atual do cristianismo como prova de sua transcendência cultural.

Hoje, a maioria dos cristãos vive fora do Ocidente. A África é o continente onde o cristianismo cresce mais rapidamente, enquanto a América Latina e o Sudeste Asiático também abrigam populações cristãs vibrantes. Essa realidade global reforça que o cristianismo é uma religião diversa, que transcende barreiras étnicas e geográficas.

5º Argumento: A essência transformadora e acolhedora da fé cristã.

O cristianismo, em sua essência, prega a inclusão, a liberdade e a reconciliação. Sua mensagem original não é de imposição cultural, mas de transformação pessoal e comunitária. Embora tenha sido distorcido em determinados momentos históricos, o Evangelho oferece uma visão de um mundo onde todas as culturas são valorizadas e onde a fé se adapta aos contextos locais, sem anular suas características únicas.

Essa reflexão nos convida a olhar para o cristianismo com maior profundidade, reconhecendo os erros de seu uso histórico, mas também suas contribuições inegáveis para a dignidade humana e a justiça social. A fé cristã não é uma fé de brancos ou essencialmente colonizadora; ela é, acima de tudo, uma fé que transcende culturas e gerações, conectando pessoas de todas as partes do mundo em torno de uma mensagem de amor e esperança.

Por Marlon Anezi

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