Por esses dias, li um texto de A.W. Tozer onde ele mencionava o momento em que John Wesley, prestes a morrer, começa a cantar um hino de Isaac Watts, um compositor calvinista. Isso chamou a atenção de Tozer, pois Wesley, um arminiano, estava cantando um hino calvinista. Tozer então é levado a questionar por que duas teologias ou visões sobre a salvação, como o calvinismo e o arminianismo, precisam ser vistas como opostas, forçando as pessoas a se posicionarem de um lado ou de outro.
Tozer pergunta: “Se John Wesley pode cantar um hino calvinista sendo arminiano, por que eu deveria me sentir obrigado a escolher um lado?” Em nosso tempo, em diversos contextos sociais, como a política, por exemplo, somos frequentemente pressionados a nos posicionar de forma binária – ou esquerda ou direita, neste contexto não há espaço para a neutralidade, em tempos de intolerância o centro não é considerado uma opção.
Hoje, vivemos na cultura da guerra de opiniões. Se você decide se manter neutro, rapidamente é rotulado como pertencente ao lado oposto. No campo político, por exemplo, se alguém se declara de centro, é comum que seja classificado pela direita como um esquerdista e vice-versa. No entanto, não se considera que é perfeitamente possível que o indivíduo rotulado simplesmente não tenha interesse por política ou não se identifique completamente com nenhum dos dois lados, há uma tendência à polarização que, no mínimo, beira ao ridículo quando não se torna em formas de violência expressa ou velada em nosso tempo.
Esse fenômeno da polarização também ocorre no universo eclesiástico e teológico. Há uma pressão para que tenhamos uma posição em vários assuntos polêmicos, entre eles as doutrinas calvinista e arminiana como se essas fossem as únicas opções possíveis de compreender o papel da eleição e do livre arbítrio no plano de salvação. Embora tenham dividido o cristianismo a partir do século XVII, as duas perspectivas não representam a totalidade das perspectivas sobre o assunto já desenvolvidas na teologia cristã. Existem outras formas de pensar o assunto, e é possível que você inclusive não se identifique completamente com nenhuma destas abordagens e há até a possibilidade de encontrar um meio-termo entre ambas.
Os luteranos, por exemplo, não se definem como arminianos ou calvinistas, inclusive no tempo de Lutero, essa divisão ainda não existia. Definitivamente, é possível tranquilamente viver a espiritualidade cristã de forma saudável sem se prender a essas categorias. Por que, então, nos sentimos obrigados a nos posicionar em meio a guerras teológicas que não fazem sentido para nós?
Essa opressão está para além da teologia. Em diversos aspectos da vida, temos a liberdade de não nos posicionarmos imediatamente, especialmente se ainda não nos sentimos preparados. Não permita que outros determinem o que você deve acreditar ou de que lado deve estar. Pesquise, reflita e mantenha sua autonomia. O primeiro passo é sair do campo daqueles que tentam manipular suas escolhas, e te pressionam a tomar partido em uma guerra que não é sua. O segundo passo é afirmar sua liberdade de escolha. Se você não se sente confortável em escolher um lado, não há problema em não escolher. Em muitos casos a melhor posição é aquela que permite o diálogo com todos os lados, sem cair em extremos.
Por fim, em sua reflexão, Tozer conclui que descansar em Deus é o que realmente importa. Concordo com Tozer, afinal, a fé não depende de teorias complexas como a predestinação ou da escolha entre calvinismo e arminianismo. O cristianismo nos chama a viver em paz, descansando em Deus, sem a necessidade de entrar em disputas doutrinárias ou ideológicas. Lembre-se: você não precisa comprar a briga dos outros. Descanse em Deus e toque sua vida com tranquilidade, porque a obra de Cristo por você basta. Esse é o verdadeiro chamado da fé cristã: “pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus” (Mq 6.8).
Por Marlon Anezi
Comentários
Postar um comentário