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Cinco lições aprendidas a partir do trabalho com Capelania Hospitalar

Realizei o trabalho de Capelania Hospitalar no Hospital Universitário de Canoas nos anos de 2017 e 2018 e posso afirmar que, com certeza, haveria muito mais do que cinco lições para compartilhar. Contudo, a proposta deste texto é dividir o que considero meus cinco principais aprendizados, com o objetivo de dar uma noção sobre a experiência àqueles que têm curiosidade e nunca realizaram visitas hospitalares, e àqueles que têm o desejo de um dia trabalhar com assistência espiritual.

                                           

1. Ouvir as pessoas com escuta ativa

Ouvir não consiste apenas em escutar, mas em compreender o que está sendo dito por meio da escuta ativa. Conduzimos a conversa procurando corresponder ao que foi compreendido através deste processo. Ouvir o que as pessoas realmente estão dizendo é um exercício que precisa ser praticado para tornar as interações mais empáticas. A proposta da escuta ativa é predominantemente contrária a qualquer método indutivo, pois, em uma intervenção indutiva, somos condutores procurando direcionar o paciente para um objetivo final com a conversa. Na escuta ativa, o paciente é quem determina ao capelão as perguntas que devem ser feitas a partir de suas respostas.

2. A presença é terapêutica

Quando não temos o que dizer diante de um leito de hospital, podemos nos sentir inúteis. No entanto, o simples fato de estarmos presentes diante do enfermo já traz consolo e afeto. Diante do leito do hospital, não há necessidade de se ensinar nada; apenas estar presente já é o suficiente. Esta lógica se aplica também a outras áreas da vida, como na educação, onde a presença do professor é igualmente importante.

3. O sofrimento é professor

No hospital, não tínhamos a intenção de ensinar como lidar com o sofrimento. As experiências das pessoas com a doença e o sofrimento é que nos ensinavam. Elas não precisam de manuais, mas de compreensão e apoio. Para a visita hospitalar, devemos nos despir de uma bagagem de conhecimento que pode nos levar a querer nos tornarmos professores dos pacientes. Igualmente, as reações impensadas ou insensíveis e os julgamentos que fazem parte da vida cotidiana de qualquer pessoa precisam ficar fora da porta do quarto de hospital.

4. As visitas são importantes para a autoestima de muitos pacientes

A solidão é uma realidade para muitos doentes. Alguns têm quartos movimentados, outros vazios. As visitas ajudam a diminuir a solidão daqueles que têm pouco contato humano no leito do hospital. O simples fato de ter alguém para conversar é algo de extremo valor para o emocional dos pacientes internados em um hospital.

5. O cuidado com o ser humano integral

A área da saúde atualmente trabalha com o ser humano como um ser também espiritual, considerando-o como biopsicossocioespiritual. Portanto, devemos olhar para o ser humano como um todo, preocupando-nos com sua integridade física, emocional, social e espiritual. A Capelania não é sobre converter alguém para uma religião específica, mas sim sobre estar junto, prestar assistência espiritual aos enfermos e seus familiares, e isso envolve se preocupar com as pessoas como um todo. Isso inclui considerar os limites de atuação e direcionar demandas de outras áreas para profissionais pertencentes a essas especialidades.

Concluindo

A Capelania Hospitalar é um trabalho de extrema importância para os hospitalizados, inclusive assegurado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º. Por tamanha importância, deve ser realizada de forma consciente e devidamente orientada, com supervisão sempre que possível. Viver e proporcionar essa experiência a tantas pessoas ao longo dos quase dois anos em que atuei neste trabalho foi algo extremamente gratificante e transformador.

Por Marlon Anezi





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