Já assisti diversas vezes ao filme Click, do renomado ator e comediante Adam Sandler. Apesar de ser um filme de comédia, carrega em si uma mensagem mais relevante do que muitos filmes produzidos em um estilo mais sério. O filme conta a história de Michael Newman, um arquiteto estressado que luta para equilibrar trabalho e família. Ele encontra um controle remoto universal que, magicamente, pode controlar o tempo e os eventos de sua vida. Inicialmente, Michael usa o controle para pular momentos indesejáveis, mas logo descobre que as consequências são graves, à medida que ele começa a perder momentos importantes e incontrolavelmente avança no tempo. O filme aborda temas de arrependimento, o valor do tempo e a importância das relações familiares, culminando em uma reflexão sobre viver o presente e priorizar o que realmente importa na vida.
Michael Newman é o exemplo do profissional do século XXI, alguém que vive para trabalhar e busca sempre mais em sua trajetória profissional, esquecendo-se de outros aspectos muito importantes de sua vida, como os momentos com aqueles que mais ama. Hoje em dia, já se fala que o trabalho é a nova religião. Aliás, para o mundo de hoje, fora do trabalho há salvação? As pessoas estão cada vez mais obcecadas por produtividade, foco e outros imperativos propagados pelos gurus da internet. A sociedade atual busca felicidade e realização através do trabalho, só que com outro nome: propósito.
Qual é o seu propósito? Nos perguntam os gurus da internet, como se todos tivéssemos que ter um foco ou objetivo único na vida. Sabemos que a vida é cheia de demandas e que focar em uma coisa apenas é praticamente impossível, por que então nos perguntam: qual é o seu propósito?
A primeira distinção que é preciso fazer diz respeito à diferença entre vocação e propósito. Enquanto a vocação foca em um chamado ou inclinação específica para uma carreira ou papel, com um sentido de missão particular, o propósito reflete o sentido mais amplo da vida, abrangendo todas as áreas e evoluindo com o tempo.
Sendo o propósito algo que diz respeito à vida como um todo, seria um erro defini-lo a partir de uma vocação, por exemplo. Aliás, a vida pode ter múltiplos propósitos, pois devo ser sincero em considerar que o propósito que vivo hoje pode não ser o mesmo de amanhã. Afinal, Eclesiastes 3 já nos ensinava que “há tempo para tudo debaixo do céu”.
Outro erro que cometemos ao pensar que propósito se limita à profissão é o de que resumimos pessoas em um propósito, quando na verdade estamos simplificando suas vidas em uma coisa que fizeram que as projetou para o mundo. Madre Teresa de Calcutá é até hoje resumida por seu trabalho humanitário e caritativo com os pobres e doentes em Calcutá, Índia. Martin Luther King Jr. é também conhecido impreterivelmente por seu papel crucial no movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos e seu famoso discurso “Eu Tenho um Sonho”. Resumem Nelson Mandela em sua luta contra o apartheid e por se tornar o primeiro presidente negro da África do Sul. Esquecemos que a vida destas pessoas foi mais do que aquilo que as tornou conhecidas.
Você sabia que Madre Teresa teve uma longa correspondência espiritual com seu diretor espiritual, revelando que ela experimentou décadas de sentimentos de abandono espiritual e dúvida, uma condição conhecida como “noite escura da alma”? Você sabia que Mandela era um boxeador amador ávido na juventude e usou o esporte como uma forma de manter a disciplina e a saúde física durante sua prisão em Robben Island? Você sabia que Luther King foi eleito presidente de uma associação predominantemente branca, a Associação de Estudantes do Seminário de Crozer, na Pensilvânia? Um feito significativo em uma época de intensa segregação racial nos Estados Unidos. Esses fatos revelam a complexidade e profundidade das vidas dessas figuras extraordinárias, além de suas contribuições mais conhecidas. Atualmente, ouvimos falar sobre propósito como algo que fazemos que impacta o mundo, mas não como algo que fazemos que impacta a nós mesmos, ou que impacta as pessoas ao nosso redor, nossa família ou comunidade. É como se a fama e o sucesso validassem aquilo que é ou não um propósito.
Quando pensamos em propósito para além da profissão, precisamos compreender que a sociedade atual centralizou seu propósito na busca por sucesso profissional e tornou isso uma forma de validar a si própria, mas, na verdade, nós já fomos validados, não há nada mais que possa nos validar além da cruz de Cristo. Além disso, somos convidados a nos perguntar: estamos conseguindo viver de forma significativa fora das paredes do escritório ou da empresa em que trabalhamos? O que posso fazer para me sentir mais pleno fora do ambiente de trabalho? Como posso utilizar meus talentos e habilidades para causas que são significativas para mim? Quais atividades me trazem alegria e satisfação fora do trabalho? Como estou contribuindo para minha comunidade e para o bem-estar das pessoas ao meu redor?
Há diversos lugares e contextos em que você pode viver um propósito fora do ambiente profissional. Participar de atividades de voluntariado em organizações sem fins lucrativos, como abrigos, bancos de alimentos ou ONGs, pode proporcionar um senso de realização e impacto na comunidade. Envolver-se em projetos comunitários, como grupos de apoio a jovens, programas de mentoria ou iniciativas de limpeza de bairros, pode gerar um sentimento de pertencimento e contribuição. O engajamento em práticas religiosas ou espirituais, como oração, meditação ou serviço em igrejas e grupos espirituais, pode oferecer um sentido de propósito e conexão com algo maior.
Além disso, dedicar-se a hobbies, como jardinagem, artesanato, esportes ou música, pode trazer alegria e uma sensação de realização pessoal. Participar de cursos, workshops ou grupos de estudo sobre temas de interesse pessoal contribui para o crescimento intelectual e satisfação. Investir tempo e energia em relações pessoais, cuidando de familiares, sendo mentor para amigos ou dedicando-se ao tempo de qualidade com a família, pode proporcionar um profundo sentido de propósito e conexão.
Envolver-se em causas sociais e políticas, como advocacia para direitos humanos, proteção ambiental ou justiça social, oferece a oportunidade de contribuir para mudanças positivas na sociedade. Compartilhar conhecimentos e experiências através de mentoria ou ensino, seja de forma formal ou informal, proporciona um sentimento de realização e impacto na vida dos outros. Ajudar vizinhos, amigos ou conhecidos em momentos de necessidade, oferecendo apoio emocional ou assistencial, traz um senso de propósito e solidariedade. Por fim, engajar-se em atividades criativas, como escrever, pintar ou criar projetos artísticos, pode proporcionar uma sensação de expressão e realização pessoal.
Por Marlon Anezi
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