Quem faz a vontade de Deus é meu irmão, minha irmã e minha mãe. Mc 3.35
Ao longo da história humana, laços de sangue justificaram atrocidades, mentiras, injustiças e muitos outros conflitos. Em nome dos laços de sangue, peca-se, manipulam-se, enganam-se e ferem-se pessoas. A cultura social na qual estamos inseridos construiu ao redor da família uma exceção moral, como se o laço de sangue anulasse a compreensão que temos do que é certo ou errado. “Mas é a minha família”, dizemos, procurando encobrir falhas, como se fossem menos graves por serem cometidas por pessoas que fazem parte da nossa família. Ou então, quando exigimos fidelidade de nossos familiares, dizemos: “Você tem que estar presente neste dia, afinal é a sua família”. Qualquer coisa pode ser exigida em nome dos laços de sangue. Esta é a cultura e a sociedade em que vivemos e precisamos questioná-la vez ou outra.
Jesus não apenas tensiona os laços de sangue como sendo os mais fortes, mas praticamente derruba este preceito cultural. Ele questiona: “Quem são os meus familiares se não aqueles que fazem a vontade de Deus?” Este tipo de atitude de Jesus não era novidade. Ainda em sua infância, perdeu-se de Maria e José a fim de debater com os mestres da Lei no templo. Contudo, após Maria chamar a sua atenção, o menino foi irredutível. “Mas que necessidade tinham de procurar-me?”, disse-lhes. “Não calcularam que estaria aqui no templo, na casa do meu Pai, pois preciso tratar dos seus assuntos?” (Lc 2.49). Colocando em outras palavras, talvez Jesus estivesse dizendo: “Como poderia eu ser culpado por estar na casa de Deus?” A posição de Jesus, neste sentido, é clara. Deus está acima da família. E aqui devemos tomar alguns cuidados, pois isso não significa que Deus e família devam ser conflitantes; pelo contrário, podem trabalhar no mesmo sentido. Mas é inegável que, em muitas situações, a família pode ser utilizada pelo inimigo para atrapalhar a vida espiritual de um cristão.
Jesus é enfático em sua posição, mas é preciso ter cuidado e não tomar algumas atitudes ao pé da letra. Por exemplo, enquanto ainda criança ou adolescente, desobedecer aos pais e ir à Igreja a hora que bem entender, sem pedir permissão ou avisar. Corremos o risco de, a partir de uma interpretação radical, demonizarmos a família de sangue em nome da fé cristã e, convenhamos, a proposta dos ensinamentos de Jesus está longe de ser esta. Ele quer nos provocar a pensar que, por vezes, tornamos a família o bem mais precioso que temos, e isso pode se tornar um ídolo em nosso coração e assumir até mesmo o lugar de Deus, que deveria ter primazia, o primeiro lugar (Mc 22.37). Logo, idolatrar a família é o que a demoniza, porque qualquer coisa que toma o lugar de Deus pode ser considerada um mal, mesmo aquelas que foram criadas por Deus e que foram, no início da criação, consideradas boas. Neste caso, nada é bom por si mesmo; famílias podem ser boas ou más, tudo depende de como agem ou se posicionam em relação a Deus e à vida espiritual daqueles que fazem parte daquela família. A própria serpente criada por Deus era boa, mas foi usada pelo diabo para enganar o homem e a mulher, portanto, tornou-se amaldiçoada (Gn 3.14).
Precisamos compreender que não há nada definitivo, neste sentido. Uns podem se tornar a nossa família a qualquer momento, e outros deixarem de ser. Para fazer parte da família de Jesus, bastava a Ele que estas pessoas se preocupassem em realizar a vontade de Deus. A partir do exemplo de Jesus, como filhos de Deus também devemos considerar da nossa família aqueles que buscam estabelecer o Seu reino nesta terra. O nosso pacto não é com o sangue que corre em nossas veias; este sangue nos condena, é sangue pecador. O único sangue que nos salva e com o qual temos um pacto é o sangue da nova aliança, derramado por Jesus na cruz do Calvário por cada um de nós. Através deste sangue, somos a família de Jesus. Ele é o nosso irmão, assim como todo aquele que também foi perdoado e salvo por este sangue.
Por Marlon Anezi
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