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O lugar onde as máscaras podem cair

Uma das áreas da teologia que mais toca o meu coração é o aconselhamento cristão. E o motivo é simples: é nesse espaço que a nossa fé, às vezes tão cheia de conceitos e doutrinas, desce do púlpito e se senta ao nosso lado no sofá da vida real, com todas as suas dores, dúvidas e bagunças.

Mas eu também sei que, só de ouvir a palavra “aconselhamento”, um monte de barreiras se levanta dentro de nós.

Eu sei o que a gente pensa: “Eu deveria dar conta disso sozinho”. O orgulho fala alto. A autossuficiência, que o mundo tanto aplaude, nos diz que pedir ajuda é sinal de fraqueza. Outras vezes, é a timidez, o medo paralisante do que o outro vai pensar de nós. “E se eu contar o que realmente sinto e for julgado?”

Esses medos são reais. E, para ser sincero, às vezes eles são justificados pela falta de pessoas realmente preparadas para ouvir.

É por isso que, antes de falar sobre o aconselhando, precisamos falar sobre o conselheiro. E aqui está o segredo que talvez nunca te contaram: o bom conselheiro não é um super-herói espiritual.

Ele não é alguém que já resolveu todos os seus problemas. Pelo contrário, ele é um ser humano que enfrenta suas próprias batalhas, que nem sempre vence, que também erra, peca e se engana. A primeira coisa que um conselheiro cristão precisa admitir, todos os dias, é que ele depende desesperadamente da mesma graça que ele tenta oferecer.

Aconselhar é pisar em ovos, porque a alma humana é um solo sagrado. E quando a fé entra na equação — com todas as nossas culpas, medos e preocupações geradas em nome de Deus —, o cuidado precisa ser redobrado.

É por isso que o objetivo do aconselhamento não é, em primeiro lugar, oferecer um sermão ou uma lista de versículos. O primeiro passo é criar um porto seguro. Um lugar onde, talvez pela primeira vez, a pessoa se sinta segura o suficiente para tirar as máscaras.

Sabe aquela voz interna que fica nos policiando? “Eu não deveria sentir isso”, “Um bom cristão não pensaria assim”. No aconselhamento, precisamos de um momento de trégua dessa voz. Não para vivermos uma vida sem moralidade, de forma alguma! Mas para que a alma, livre das suas próprias defesas, possa finalmente revelar o que está doendo de verdade. Porque uma alma que não se revela, não consegue ser ajudada.

Esse processo se constrói na confiança, em um vínculo de amor. Aconselhar é um ato de amor profundo.

E não, isso não é o mesmo que uma boa conversa com um amigo. Uma conversa muda perspectivas, mas o aconselhamento é mais. É um momento intencional, um compromisso de olhar para dentro com a ajuda de um companheiro de caminhada.

É por isso que eu acredito tanto no poder do aconselhamento. A pregação, as redes sociais, os livros, tudo isso é como uma chuva que rega um campo inteiro. É vital e alcança muitos. Mas o aconselhamento é diferente. É como se sentar ao lado de uma única planta e regar suas raízes, uma a uma. O impacto é específico e transformador.

Um pregador que nunca se senta para ouvir as dores reais da sua comunidade fará sermões genéricos. Mas aquele que aconselha sabe onde a fé do seu povo está sendo testada.

No fim das contas, falar sobre aconselhamento é falar sobre o método de Jesus. Ele pregou para multidões, mas mudou o mundo investindo na vida de doze pessoas. A transformação que o Evangelho propõe não acontece em massa, de uma só vez. Ela acontece de coração em coração, de mente em mente.

É nesse trabalho paciente, pessoal e amoroso que Cristo continua fazendo Sua obra no mundo. E nós temos o privilégio de participar disso.

Com carinho, 

Marlon Anezi


Se esta reflexão te encorajou de alguma forma, salve-a para ler novamente. E eu gostaria de te ouvir nos comentários: qual dessas barreiras (orgulho, medo, timidez) você sente que mais te impede na hora de pensar em pedir ou oferecer ajuda?

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