Pular para o conteúdo principal

Bíblia ou divã? Uma reflexão sobre fé e psicologia

Amigos, uma das perguntas que sempre surgem quando falamos sobre aconselhamento cristão é esta: qual é o nosso guia? A resposta parece óbvia: a Palavra de Deus. Mas logo em seguida vem a questão mais espinhosa: e a Psicologia? Ela tem lugar nessa conversa? É uma aliada ou uma inimiga da fé?

A verdade é que não há um consenso na Igreja sobre isso, e o debate é profundo e sincero de ambos os lados.

De um lado, o campo do “Ou/Ou”

Para alguns irmãos muito fiéis e bem-intencionados, a resposta é um sonoro “não”. Um dos nomes mais conhecidos dessa linha é Jay Adams, que defendia que a Bíblia é totalmente suficiente para lidar com todos os problemas da alma, sem a necessidade de recorrer a outras fontes. A preocupação dele, e de muitos, é proteger a autoridade e a suficiência das Escrituras.

Outros, como o psicólogo cristão Paul Vitz, alertam para um perigo real: o de uma psicologia humanista que tira Deus do centro e coloca o “eu” no trono, promovendo uma espécie de auto adoração. E essa é uma preocupação muito válida.

Do outro lado, o campo do “Ambos/E”

Por outro lado, muitos conselheiros e teólogos, nos quais eu me incluo, enxergam as coisas de uma forma um pouco diferente. Para nós, a questão não é “Bíblia OU Psicologia”, mas “Bíblia E Psicologia, com a Bíblia como autoridade final”.

Eu gosto de pensar em uma analogia: a Bíblia é o mapa que nos mostra o caminho, o destino e a verdade sobre quem Deus é e quem nós somos. Ela é o nosso guia inegociável. A psicologia, quando usada com sabedoria, pode ser como um bom par de binóculos. Ela não muda o mapa, mas nos ajuda a ver os detalhes do terreno — a complexidade da alma humana, os padrões de comportamento, as feridas que carregamos — com um pouco mais de clareza.

Teólogos como Gary Collins e Howard Clinebell nos ensinaram a olhar para a pessoa de forma integral (holística). Eles nos lembram que não somos apenas seres espirituais; somos também emocionais, sociais e biológicos. Entender essas dimensões, com a ajuda de outras ciências, pode nos ajudar a aplicar a verdade do Evangelho de forma mais eficaz e compassiva.

Minha convicção

Depois de caminhar por essa área, eu me sinto seguro em recomendar a perspectiva da conciliação. Afinal, eu creio que “toda a verdade é verdade de Deus”. Se Deus criou o ser humano com uma psique complexa, por que teríamos medo de uma ciência que busca, ainda que de forma imperfeita, entender essa complexidade?

Claro, isso não significa aceitar tudo. Precisamos de um filtro, de um crivo. E o nosso filtro é e sempre será a Palavra de Deus. A Bíblia não é apenas o ponto de partida; ela é a autoridade final que avalia, corrige e direciona qualquer outra fonte de conhecimento.

Quando superamos o preconceito de que a psicologia é inerentemente má, podemos colher os tesouros que ela pode oferecer: ferramentas para entender traumas, insights sobre dinâmicas familiares, vocabulário para nomear nossas dores. E tudo isso pode ser usado para um único fim: levar as pessoas à cura verdadeira, que só se encontra na graça de Jesus Cristo.

Com carinho, 

Marlon Anezi


Este é um debate rico e importante na Igreja. E você, qual tem sido a sua experiência? Você já foi ajudado por uma abordagem que une fé e psicologia, ou tem suas ressalvas? Adoraria ler sua perspectiva nos comentários.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os óculos que mudam a forma como vemos o mundo

Você já tentou explicar algo da sua fé para um amigo e sentiu que ele simplesmente... não entendeu? Não por maldade, mas como se vocês estivessem falando línguas diferentes, operando em frequências distintas. O apóstolo Paulo nos ajuda a entender essa dificuldade. Ele fala de duas maneiras de perceber a realidade: a do “homem natural” e a do “homem espiritual”. O “homem natural” é aquele que opera apenas com a razão humana, com a lógica do que se pode ver, tocar e medir. Para essa perspectiva, as coisas de Deus — a cruz, a ressurreição, a graça — soam como “loucura” (1 Coríntios 2.14). Não é que a pessoa seja menos inteligente; é que ela está tentando ler um livro divino sem a ajuda do seu Autor. E aqui está a grande verdade: a Palavra de Deus precisa do seu verdadeiro Intérprete para ser compreendida. E o seu Intérprete é o próprio Autor: o Espírito Santo. Sem a Sua luz em nossa mente e em nosso coração, as Escrituras podem parecer apenas um conjunto de regras, histórias e ideias. C...

Afinal, o que é aconselhamento cristão?

Vamos ser sinceros: a expressão “aconselhamento cristão” pode ser um pouco confusa, não é mesmo? Para alguns, soa como uma conversa com o pastor. Para outros, parece uma terapia com oração no final. Há quem pense que é um estudo bíblico focado nos seus problemas. A verdade é que essa confusão é normal, porque o aconselhamento cristão se parece um pouco com tudo isso, mas não é exatamente nenhuma dessas coisas. Eu percebi que a melhor forma de entender o que ele é , é primeiro esclarecer algumas coisas que ele não é . Então, vamos pensar juntos sobre isso? 1. É a mesma coisa que o pastor faz? Sim e não. O que o seu pastor faz ao visitar um enfermo, confortar uma família enlutada ou tomar um café para saber como você está se chama “cuidado pastoral”. É um cuidado lindo, espontâneo e vital para a saúde da igreja. O aconselhamento pode ser parte desse cuidado, mas ele é mais estruturado — geralmente com hora marcada, em um lugar reservado, focado em uma questão específica. E a grande notí...

Duas lentes para ler a Bíblia com mais clareza

Você já leu um versículo que conhece desde criança e, de repente, se perguntou: “Será que estou entendendo isso direito?” Ou talvez já tenha ouvido alguém tirar uma conclusão de um texto bíblico que te fez pensar: “Nossa, eu nunca vi isso aí... de onde essa pessoa tirou isso?”                   Nessa jornada de leitura da Palavra, que é um aprendizado constante para todos nós, eu percebi que existem dois extremos muito comuns que podem nos desviar do caminho. Já observei isso em mim e em outros: de um lado, a tendência de se apegar apenas ao “preto no branco” do texto. Do outro, o impulso de “viajar” em nossas próprias ideias sobre o que a passagem poderia significar, correndo o risco de colocar nossas palavras na boca de Deus. Tudo começou a mudar quando eu entendi a importância de usar duas “lentes” para a leitura. Duas palavrinhas que parecem técnicas, mas que são incrivelmente práticas: referência e inferência . Lente 1: A Referência (...