Outro dia, estava conversando com
um colega sobre como a posição da Igreja Cristã ao longo dos séculos a respeito
das guerras foi se modificando e como esta saiu de uma perspectiva pacifista
para as perspectivas de guerra justa a partir de Agostinho, até a de guerra
santa no período das Cruzadas. A questão é: com a união da Igreja e o Império
Romano, a Igreja precisou lidar com o fato de que agora estava conectada a um
Império que participava de conflitos e guerras contra outros povos, e por isso
não poderia, por questões políticas, ir contra seu aliado político. A
institucionalização da Igreja a partir da sua união com o Império Romano no
século IV ocasionou sérias concessões naquilo que dizia respeito aos
ensinamentos de Jesus.
Após falar sobre as distintas
posições da Igreja Cristã frente ao assunto guerra, disse que até consideraria
aceitável a posição de Agostinho sobre a guerra justa. O conceito de guerra
justa significa que ao ter o território do seu país invadido, você possui o
direito de se defender contra o invasor. Meu colega disse então que a pessoa
que fazia isso já não poderia ser considerada santa. Já não estaria inocente,
pois teria que se armar para poder se defender do ataque alheio e, caso
necessário, matar por legítima defesa.
Esses dilemas são muito
complexos, os quais nos são colocados para pensar, visto que a ética cristã nos
ensina o amor e, mais especificamente, o amor ao próximo como a si mesmo. Como
amar o próximo que entra em minha casa e quer matar a mim e minha família? Como
manter-se santo, com as mãos limpas frente à ameaça que o outro representa ao
invadir o meu país ou minha casa procurando tirar-me a vida? Será que isso é
possível? O padrão pacifista de não reagir com violência em hipótese alguma é
muito bonito, mas ao mesmo tempo é um alto padrão o qual sabemos, dificilmente,
qualquer ser humano que o siga à risca.
Me questiono, frente a tantas
exigências colocadas por Jesus no Sermão do Monte, se alguém consegue
permanecer santo. Podemos colocar os mais altos ideais de pureza e propô-los
para as pessoas de uma comunidade cristã, se estas pessoas de fato conseguirão
viver de acordo com esses padrões é outra história.
Quando a doutrina entra em
contato com a limitação humana, por vezes, acabará se alterando. A régua é
colocada em uma altura na qual o ser humano consiga alcançar. Por outro lado,
certas leis não mudam, afinal, a Bíblia continua a mesma. Enquanto na história
da Igreja fizemos o possível para abrir concessões e adequar as leis de Deus às
nossas limitações em praticá-la, para que não viéssemos a ser pegos em erro a
todo momento, Jesus fez o contrário. No Sermão do Monte, complexificou a lei e
evidenciou o fato de que não conseguimos realmente agradar a Deus, que nossos
atos são sujos e, mais do que isso, quando nossas intenções são sujas, mesmo
que não venhamos a confirmá-las em atitudes, já estamos pecando por causa
destas intenções, pensamentos e desejos.
E qual a solução para isto? O
perdão. A solução de Jesus não é baixar a régua da lei, é oferecer através do
Seu perdão a salvação. Romanos 3.23 diz que: “não há um justo sequer.” E de
fato, não há uma só pessoa que possa se chamar santa pelos próprios atos e
pensamentos, somente a partir do perdão e misericórdia oferecidos por Cristo
nos tornamos justos. Somos dependentes da Sua misericórdia em todo o tempo, o
erro faz parte da nossa existência diária.
Como compreender o conceito de
guerra justa a partir deste olhar? A régua não baixou; matar é pecado,
independente da situação. Porém, somos obrigados a avaliar o contexto e
verificar em que termos este pecado está sendo cometido. O pecado no mundo nos
deixa vulneráveis a ataques dos mais diversos tipos, o que faz com que nosso
sistema límbico ative em nós o medo e os nossos mecanismos que nos levam a um
estado de autodefesa. Portanto, nem todos os cristãos teriam controle emocional
para agirem pacificamente e não fazerem nada frente à ameaça de morte.
Portanto, o peso do pecado do
assassinato frente a uma ameaça iminente de morte pode ser desconsiderado a
partir da sabedoria divina que não apenas legisla, mas também compreende e
através de Jesus advoga pelos seus. É esta misericórdia que garante àquele que
precisa defender a si próprio e à sua família que não será condenado
eternamente por assim fazê-lo.
Por Marlon Anezi
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