Pular para o conteúdo principal

Não fui eu, foi a graça

Quantas vezes já não ouvimos — ou, para ser honesto, já não dissemos — aquela frase cheia de um orgulho merecido: “Eu trabalhei muito e, por isso, conquistei o que tenho.”?

Essa frase faz sentido. Nós realmente nos esforçamos. Nós nos cansamos, nos dedicamos, sentimos o suor no rosto. É natural e humano reivindicar os resultados do nosso trabalho.

Mas a fé cristã nos convida a olhar para a nossa vida com um pouco mais de profundidade. Ela nos sussurra que, por trás de toda a nossa ação, existe uma Mão nos sustentando.

Gosto de pensar na nossa vida como uma pequena embarcação. Nós estamos ali, remando com toda a nossa força, focados nas ondas à nossa frente. Mas, sem que a gente perceba, há um Capitão no leme, ajustando a direção, nos livrando de rochas escondidas. E há um vento favorável soprando nas velas que, definitivamente, não fomos nós que criamos.

Saber disso é profundamente reconfortante. Significa que o resultado final não depende apenas da força dos nossos braços.

O apóstolo Paulo, em sua primeira carta aos Coríntios, tem um momento de honestidade brutal que nos ensina tudo sobre isso. Ele escreve:

“Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus, que está comigo. (1 Coríntios 15.10)

Percebe o movimento no coração de Paulo? Ele começa com uma afirmação que soa quase arrogante: “Eu trabalhei muito mais do que todos eles”. A gente quase consegue sentir o peito dele estufando de orgulho, um orgulho que talvez fosse até justo. Mas, no mesmo instante, como se o Espírito Santo lhe soprasse no ouvido, ele se corrige de forma radical: “...todavia, não eu, mas a graça de Deus...”.

Paulo nos dá o modelo. É reconhecer nosso esforço, sim, mas atribuir a força, a oportunidade e o resultado à verdadeira fonte de todo bem. Ele, o antigo perseguidor da Igreja, sabia melhor do que ninguém que tudo o que ele fazia de bom não nascia de seu próprio mérito, mas da misericórdia de um Deus que o transformou.

E essa correção — “não eu, mas a graça” — é uma das verdades mais libertadoras do Evangelho. Por quê?

  • Ela nos livra do orgulho na vitória. Quando as coisas dão certo, quando nosso trabalho floresce, somos lembrados de que a glória não é nossa. Foi a graça.

  • Ela nos livra do desespero na derrota. E quando as coisas dão errado, quando nosso esforço não é suficiente, somos consolados. Nossa esperança nunca esteve na força da nossa remada, mas na sabedoria e na fidelidade do nosso Capitão.

Que o Espírito Santo possa sussurrar aos nossos corações todos os dias, em cada pequena conquista, em cada boa obra, em cada ato de amor: “Não foi você quem fez. Fui Eu, através de você.”

Isso transforma nossa vida, de uma performance para nos orgulharmos, em um testemunho da graça para agradecermos.

Com carinho, 

Marlon Anezi


Se esta reflexão te ajudou a ver seu próprio esforço com outros olhos, salve-a. E me conte nos comentários: em qual área da sua vida você precisa se lembrar hoje que “não é você, mas a graça de Deus” que está agindo?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os óculos que mudam a forma como vemos o mundo

Você já tentou explicar algo da sua fé para um amigo e sentiu que ele simplesmente... não entendeu? Não por maldade, mas como se vocês estivessem falando línguas diferentes, operando em frequências distintas. O apóstolo Paulo nos ajuda a entender essa dificuldade. Ele fala de duas maneiras de perceber a realidade: a do “homem natural” e a do “homem espiritual”. O “homem natural” é aquele que opera apenas com a razão humana, com a lógica do que se pode ver, tocar e medir. Para essa perspectiva, as coisas de Deus — a cruz, a ressurreição, a graça — soam como “loucura” (1 Coríntios 2.14). Não é que a pessoa seja menos inteligente; é que ela está tentando ler um livro divino sem a ajuda do seu Autor. E aqui está a grande verdade: a Palavra de Deus precisa do seu verdadeiro Intérprete para ser compreendida. E o seu Intérprete é o próprio Autor: o Espírito Santo. Sem a Sua luz em nossa mente e em nosso coração, as Escrituras podem parecer apenas um conjunto de regras, histórias e ideias. C...

Afinal, o que é aconselhamento cristão?

Vamos ser sinceros: a expressão “aconselhamento cristão” pode ser um pouco confusa, não é mesmo? Para alguns, soa como uma conversa com o pastor. Para outros, parece uma terapia com oração no final. Há quem pense que é um estudo bíblico focado nos seus problemas. A verdade é que essa confusão é normal, porque o aconselhamento cristão se parece um pouco com tudo isso, mas não é exatamente nenhuma dessas coisas. Eu percebi que a melhor forma de entender o que ele é , é primeiro esclarecer algumas coisas que ele não é . Então, vamos pensar juntos sobre isso? 1. É a mesma coisa que o pastor faz? Sim e não. O que o seu pastor faz ao visitar um enfermo, confortar uma família enlutada ou tomar um café para saber como você está se chama “cuidado pastoral”. É um cuidado lindo, espontâneo e vital para a saúde da igreja. O aconselhamento pode ser parte desse cuidado, mas ele é mais estruturado — geralmente com hora marcada, em um lugar reservado, focado em uma questão específica. E a grande notí...

Duas lentes para ler a Bíblia com mais clareza

Você já leu um versículo que conhece desde criança e, de repente, se perguntou: “Será que estou entendendo isso direito?” Ou talvez já tenha ouvido alguém tirar uma conclusão de um texto bíblico que te fez pensar: “Nossa, eu nunca vi isso aí... de onde essa pessoa tirou isso?”                   Nessa jornada de leitura da Palavra, que é um aprendizado constante para todos nós, eu percebi que existem dois extremos muito comuns que podem nos desviar do caminho. Já observei isso em mim e em outros: de um lado, a tendência de se apegar apenas ao “preto no branco” do texto. Do outro, o impulso de “viajar” em nossas próprias ideias sobre o que a passagem poderia significar, correndo o risco de colocar nossas palavras na boca de Deus. Tudo começou a mudar quando eu entendi a importância de usar duas “lentes” para a leitura. Duas palavrinhas que parecem técnicas, mas que são incrivelmente práticas: referência e inferência . Lente 1: A Referência (...