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Mais que paredes, um povo

No final de suas cartas, o apóstolo Paulo costuma mandar saudações. E, no meio de uma delas, há uma frase que, para mim, é como uma janela para outro mundo. Ele diz: “Áquila e Priscila os saúdam afetuosamente no Senhor, e também a igreja que se reúne na casa deles.” (1 Coríntios 16.19)

Eu fecho os olhos e tento imaginar a cena.

Não há um templo imponente. Não há sistema de som, nem CNPJ, nem cadeiras estofadas. Há uma sala de estar, talvez um pouco apertada, cheia de gente comum: artesãos, escravos, donas de casa. Pessoas que se reúnem sob o risco de perseguição para partir o pão, para orar, para cantar e para se encorajarem na fé. A igreja ali não era um evento para se assistir; era uma família da qual se fazia parte.

Por quase trezentos anos, foi assim que o cristianismo se espalhou pelo mundo: de casa em casa, de coração em coração.

Mas, no século IV, tudo mudou. Com a conversão do Imperador Constantino, a Igreja saiu das sombras e entrou nos palácios. Ela ganhou poder, riqueza, templos magníficos... e, no processo, talvez tenha perdido algo de sua simplicidade e de sua essência. A “igreja” deixou de ser primariamente o nome de um povo e passou a ser o nome de um prédio. O lugar para onde se vai, e não as pessoas que se é.

E é por isso que precisamos voltar sempre à Palavra para nos lembrar do que realmente importa.

A Igreja, em sua essência mais pura, não é o templo, a instituição ou a denominação. A Igreja somos nós. O povo de Deus, espalhado pelo mundo. A noiva que Cristo amou e pela qual se entregou. O local, o espaço físico, é apenas um detalhe, uma ferramenta. O coração da Igreja é a comunhão dos santos.

Essa verdade nos confronta hoje.

Será que, em nossa busca por relevância, por cultos mais “profissionais” e por estruturas mais impressionantes, não corremos o risco de transformar a casa de Deus em um palco para artistas ou um lugar de consumo, em vez de uma família que adora e proclama a Cristo?

Não estou dizendo que precisamos vender todos os nossos templos e voltar a nos reunir apenas em casas. Mas creio que somos chamados a resgatar o espírito daquela igreja que se reunia na sala de estar de Áquila e Priscila.

Um espírito de humildade, de simplicidade, de humanidade. Um chamado a lembrar que a verdadeira vida da Igreja acontece não apenas no culto de domingo, mas na mesa de café durante a semana, na ligação para o irmão que sofre, no cuidado mútuo, na hospitalidade que abre as portas do nosso lar e do nosso coração.

Que possamos ser menos preocupados com o tamanho do prédio e mais com a nossa comunhão.

Com carinho, 

Marlon Anezi


Se esta reflexão te fez pensar, salve-a. E me conte nos comentários: como podemos, em nossas comunidades hoje, resgatar um pouco mais do espírito da “igreja que se reúne na sala de estar”?

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