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A perigosa mania de julgar o coração alheio

A gente vive cercado por julgamentos, não é mesmo? Somos avaliados e rotulados constantemente: pela roupa que vestimos, pelo jeito que falamos, pela nossa aparência. É um impulso quase automático em um mundo que parece ter sempre uma opinião formada sobre tudo e todos.

Mas o que mais me preocupa, como pastor e irmão na fé, é quando essa mania de julgar se veste com uma linguagem espiritual e entra nos muros da igreja.

Quantas vezes não ouvimos, em nossos círculos, frases ditas com a maior certeza do mundo? “Fulano saiu da nossa denominação, com certeza apostatou da fé.” Ou pior: “Só um pequeno grupo da igreja vai se salvar, só os que são realmente comprometidos.”

Esses comentários, muitas vezes ditos sem má intenção, são julgamentos. São tentativas de impor nossa percepção limitada sobre a jornada espiritual de outra pessoa, sem a devida empatia e, o mais importante, sem o conhecimento que só Deus possui.

É para corações como os nossos, tão rápidos em chegar a conclusões, que o apóstolo Paulo escreve com uma urgência quase suplicante:

“Portanto, não julguem nada antes da hora devida; esperem até que o Senhor venha.” (1 Coríntios 4:5)

A mensagem de Paulo é simples e direta: julgar o coração e o destino final de alguém não é o nosso trabalho.

Quando tentamos fazer o trabalho de Deus, nós fazemos o que eu chamo de “serviço porco”. Imagine tentar consertar um relógio suíço com um martelo. É o que fazemos quando julgamos a alma de alguém. Nós não temos as informações. Não vemos o coração. Não conhecemos as conversas silenciosas entre aquela pessoa e Deus. Não temos as competências para essa tarefa. Tentar fazê-la, por teimosia ou por acharmos que sabemos, só resulta em um trabalho de baixa qualidade que, na maioria das vezes, machuca as pessoas.

Nós somos tentados a todo momento a definir “quem será salvo” e “quem não será”, “quem faz parte do povo de Deus” e “quem não faz”. E Paulo simplesmente nos diz: espere. O Senhor virá exatamente para cumprir este papel, que nós somos incapazes de cumprir.

Então, se julgar não é o nosso papel, qual é?

Jesus não nos entregou o martelo de juiz. Ele nos entregou as chaves do perdão. Ele não nos chamou para sermos promotores, mas despenseiros do amor. Nossa função não é erguer muros que separam, mas construir pontes de graça que convidam.

O resgate de uma alma nunca vem através do julgamento. Se há alguém a ser resgatado, será sempre através do amor.

Os fariseus eram peritos em julgar. Eles conheciam a lei, mediam a espiritualidade alheia e distribuíam sentenças de condenação. E o resultado? Eles afastavam as pessoas de Deus, esmagando-as com fardos de culpa.

Definitivamente, este não é o nosso chamado. Nosso papel é ensinar a Palavra com fidelidade, mas viver com uma compaixão que atrai as pessoas para a graça de Cristo, em vez de afastá-las com o peso do nosso julgamento.

Com carinho, 

Marlon Anezi


Se esta reflexão te tocou, salve-a como um lembrete. E eu te convido a uma autoavaliação honesta, que eu também faço: em qual área da minha vida eu tenho pegado o martelo de juiz que pertence somente a Deus? Como posso trocá-lo pelas chaves do perdão hoje?

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