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O mundo que Deus ama (e o mundo que não devemos amar)

Há uma palavra que usamos o tempo todo na igreja e que, dependendo do dia e do sermão, pode soar como duas coisas completamente diferentes: a palavra “mundo”.

Num domingo, ouvimos que “Deus amou o mundo de tal maneira...”. No outro, ouvimos o apóstolo João nos advertir: “Não ameis o mundo”.


Então, qual dos dois está certo? Somos chamados a amar ou a odiar o mundo? A resposta, como em muitas coisas na nossa fé, está em entender que a Bíblia usa a mesma palavra para falar de duas realidades distintas.

Primeiro, há o mundo-criação. Este é o mundo que lemos em Gênesis 1. É a obra de arte de Deus, tudo aquilo que Ele fez e declarou ser “muito bom”. É a beleza de um pôr do sol, a majestade das montanhas, a complexidade da vida. Este mundo, mesmo ferido pelo pecado, ainda “declara a glória de Deus” (Salmo 19.1) e é sustentado a cada instante por Sua misericórdia. Este é o mundo que somos chamados a cuidar, a apreciar e a ver como uma dádiva.

Mas, dentro dessa boa criação, há outra realidade: o mundo-sistema. Este é o mundo caído, a ordem de valores que se opõe a Deus. É o sistema governado pelo egoísmo, pela cobiça, pela “soberba da vida”, como diz o apóstolo João. É este mundo que nos diz que o poder, o prazer e as posses são o objetivo final da vida. É deste “mundo” que somos chamados a não amar, a nos mantermos separados em nossos valores e prioridades.

E a beleza do Evangelho se revela no versículo mais famoso de todos, que une essas duas ideias de forma perfeita.

“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito...” (João 3.16)

Pense nisso: Deus amou tanto o mundo-criação (incluindo as pessoas nele) que Ele deu Seu Filho para resgatá-lo da tirania do mundo-sistema.

E isso define a nossa delicada e bela missão como Igreja.

Nós vivemos no mundo (a criação), mas não somos do mundo (o sistema). Não fomos chamados a nos isolar em uma bolha, com medo da contaminação. Fomos chamados a ser como Jesus: a entrar no mundo caído, a comer com os pecadores, a olhar para as pessoas com misericórdia e a sermos sal e luz.

Como disse Paulo, a nos tornarmos “tudo para com todos, para de alguma forma salvar alguns” (1 Coríntios 9.22).

Que possamos, então, aprender a viver nesse equilíbrio: amando e cuidando do mundo bom que Deus criou e das pessoas que nele habitam, enquanto resistimos firmemente aos valores do sistema que se opõe a Ele, tudo para a glória do nosso Salvador.

Com carinho, 

Marlon Anezi


Se esta reflexão te ajudou a entender melhor essa tensão, salve-a. Como podemos, em nosso dia a dia, amar melhor as pessoas do mundo sem amar os valores do mundo?

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