Pular para o conteúdo principal

O que nos motiva para a prática de boas obras?

Não somos salvos por realizarmos coisas boas, mas realizamos coisas boas porque já fomos salvos. Entender essa afirmação é fundamental, porque, caso contrário, invertemos completamente o modo como nos aproximamos da prática do bem. A Teologia Católica destaca a salvação por meio das obras, algo que deve ser alcançado por meio da caridade e fraternidade. Já na Reforma, o retorno à exegese bíblica correta nos permitiu compreender que é a graça de Deus que torna a salvação possível, através da fé. O apóstolo Paulo apresentou essa verdade em Romanos 5, mas a Igreja Católica da época estava longe da Palavra, imersa em mandamentos criados por homens. A venda de indulgências foi o ápice de uma teologia separatista, meritocrática e totalmente afastada das verdades de Deus.

Ao compreendermos que a salvação é o que nos faz agir em boas obras, assim como manifestar o fruto do Espírito, também assimilamos outra verdade: o que move as pessoas às boas obras não é a lei, e sim o evangelho. Talvez você não compreenda tão bem essa distinção entre lei e evangelho, por isso darei uma explicação sucinta.

A Bíblia contém em si lei e evangelho. A lei consiste naquelas partes da Escritura que nos acusam, que nos demonstram que somos pecadores, as partes que nos falam sobre algo que temos que fazer. Que na verdade não nos trazem salvação, pois a salvação ocorre pela graça. O evangelho consiste nas partes da Palavra que nos demonstram o amor de Deus, tudo o que Ele fez, faz e fará por nós, o evangelho é a salvação através do Seu Filho Jesus Cristo. Tanto a lei quanto o evangelho estão espalhados por toda a Palavra de Deus: Antigo e Novo Testamento.

Retornando ao que estava sendo falado anteriormente, não é a lei que nos move às boas obras, é o evangelho. Não é a ordem, é o que eu recebi de Deus que de alguma forma me capacita a agir. Por isso, pouco adianta que se busque o ativismo de uma comunidade cristã através das palavras de lei no púlpito, procurando convencer sobre o que deve ser feito, muitas vezes se utilizando até de manipulação e culpa para forjar a ação da Igreja. Quando, na verdade, o evangelho ainda não penetrou nos corações verdadeiramente, a obra da cruz ainda não foi de fato compreendida, aceita na vida daquele crente. O Espírito Santo não o capacitou ainda de forma que as boas ações nasceram, sem a necessidade de constantes repetições da lei. Não pense que apenas cristãos iniciantes na fé precisam ouvir o evangelho do amor de Deus, todos precisam, pois o nosso crescimento e o mover em boas obras só é saudável a partir do evangelho, não a partir da lei. Quando falo sobre pessoas que não compreenderam a obra da cruz não me refiro também a recém-nascidos na fé, me refiro a pessoas que talvez tenham anos de Igreja, que já ouviram centenas de sermões, mas que a salvação através de Jesus não as move à prática dos bons frutos da salvação. A verdade é que a lei faz hoje na pregação de grande parte das Igrejas um papel que é do evangelho, o evangelho que deveria impulsionar, a promessa de Deus de vida eterna deveria impulsionar, o perdão imerecido deveria impulsionar, a salvação conquistada na cruz deveria impulsionar. O que Ele fez deveria nos levar além, não o que nós fazemos. Consegue entender a diferença? É através do evangelho que crescemos, porque estamos debaixo da graça, não da lei. É por meio daquilo que Ele fez que nossas ações são pautadas, que seguimos por um lado e não pelo outro.

É somente n’Ele, por Ele e para Ele que algo de bom consegue ser realizado através de nós.

Caso você tenha o costume de se motivar para agir através da lei, comece a fazer este exercício de meditar constantemente no ato da cruz, na salvação oferecida a você e a toda a humanidade. Deixe brotar em seu coração o sentimento genuíno de gratidão por este descanso dado pelo Senhor a você, por Ele ter te livrado da morte eterna. Ao meditar na cruz e na salvação dada a você, automaticamente o Espírito fará este sentimento de gratidão crescer em seu coração. Com esta meditação constante, também sua consciência prestará atenção devida nos atos de Deus por você, em tudo que Ele já fez. Através do evangelho, Deus quer te ganhar para Ele, não apenas sentimento, nem apenas razão: mas razão, sentimento e volição (vontades). Ele quer você por completo debaixo da graça que salva, purifica e transforma.

Por Marlon Anezi

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O que é aconselhamento cristão?

Definir o que é aconselhamento cristão não é tarefa simples. O conceito pode ser confundido com muitas outras atividades que compõem a área da teologia prática, ou até ao aconselhamento psicológico. Neste texto, falo um pouco sobre o que é aconselhamento cristão e procuro diferenciá-lo de aconselhamento pastoral, cuidado pastoral, missão, evangelização, aconselhamento psicológico e aconselhamento bíblico. Qual a diferença entre aconselhamento pastoral e aconselhamento cristão? Enquanto o aconselhamento cristão pode ser realizado por qualquer cristão capacitado para aconselhar, o aconselhamento pastoral normalmente é realizado por um pastor ou líder espiritual cristão, configurando-se enquanto uma das atividades da poimênica, do cuidado pastoral. O aconselhamento pastoral é parte do trabalho de cuidado pastoral. Por exemplo: visitar um enfermo, um enlutado, ou ainda, ir à casa de uma família da igreja são atividades de cuidado pastoral, mas não se configuram como aconselhamento. O camp...

Qual é a diferença entre o homem natural e o homem espiritual?

O homem espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém.  1Co 2.15 Uma verdade relevante que nos auxilia a entender esta questão é que a sabedoria divina só nos pode ser revelada pelo próprio Deus. Lembre-se daquele momento em que Pedro confessa que Jesus é “o Cristo, Filho do Deus vivo.” Na sequência, Jesus dirige a seguinte afirmação a Pedro: “Feliz é você, Simão, filho de Jonas! Porque isso não foi revelado a você por carne ou sangue, mas por meu Pai que está nos céus.” (Mt 16.17) O apóstolo João em uma de suas epístolas, também fala sobre como a ação do Espírito Santo influencia a confissão de fé em Jesus. (1Jo 4.2) É através do Espírito Santo que falamos com e sobre a sabedoria divina. Ao confessarmos Jesus como Filho de Deus, estamos falando sobre a sabedoria divina, pois Cristo é a sabedoria divina e nos foi dada a oportunidade de conhecê-Lo através do testemunho dos apóstolos, por meio das Escrituras e da revelação do Espírito a nós. O homem nat...

Encontrando alegria em meio às lutas

Haja o que houver, meus irmãos, alegrem-se no Senhor. Fp 3.1 Nem sempre a alegria em Deus está conectada a momentos felizes. Muitas vezes, ela vem acompanhada de tempos de luta, como no caso de Paulo, que escreveu aos Filipenses enquanto estava preso. Como diz a música "Perfeita Contradição" do Pe. Fábio de Melo: "na dor da peleja há luz, no riso tem lágrima". Essa é a vida cristã, cheia de paradoxos, contradições que não se resolvem, opostos que precisam conviver. A nossa vida é recheada destas contradições. Vale destacar que Paulo não incentivou os Filipenses a permanecerem alegres apenas uma vez. Pelo menos oito vezes ele fala sobre isso na carta (1.18; 2.17; 2.18; 2.28; 3.1; 4.4). Paulo não se deixou abater, pois compreendia o sofrimento de maneira não puramente negativa, e via glória no ato de sofrer. A alegria de Paulo pode ser facilmente explicada por um de seus pensamentos mais notáveis: "não desanimamos, pelo contrário, mesmo que o nosso homem exte...