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Compreendendo o discurso espiritual de Cristo

Jesus tinha uma maneira única de conversar com as pessoas, de ensinar e de trazer à tona a realidade espiritual das coisas. Geralmente, Cristo não era compreendido. Basta ler alguns textos dos evangelhos para ver como as pessoas com as quais ele teve diálogos falavam de perspectivas diferentes das suas.

                     

Cristo contém em si as duas naturezas: humana e divina. A natureza divina estava muito presente em praticamente todos os diálogos.

O fato de não ser bem compreendido me faz pensar quão solitária deve ter sido a vida de Jesus neste mundo. Por isso, muitas vezes se retirou para os montes, afim de orar ao Pai. Jesus tinha seus momentos de solitude.

Na solitude, se tira um tempo de qualidade para ficar a sós e realizar coisas que só é possível a sós: como orar, meditar, ler, descansar. Jesus teve estes momentos, mas certamente também teve seus momentos de solidão, onde gostaria de ser compreendido pelos que com Ele conviveram, porém, se sentia só.

Imagine se Ele decidisse modificar suas falas e tornar tudo menos espiritual, vestir uma couraça, uma persona, afim de esconder Sua essência, assim como nós fazemos para poder conviver com a nossa família, com os amigos, vizinhos, conhecidos e colegas.

Ao vir à terra, Jesus foi fiel à sua essência, Seu discurso não é moldável, Sua fala parte diretamente do Seu coração para o Seu fim principal: tornar Deus conhecido aos homens e salvá-los. Nada afastou Jesus desta digna missão.

Para exemplificar o que falo vou utilizar dois textos, mas desafio você a ler os evangelhos e encontrar outros: Lc 2.48-50 e Jo 4.

Jesus tinha 12 anos, em um dado momento das festividades de Páscoa em Jerusalém, os pais d’Ele estavam voltando para Nazaré, porém o menino não estava com eles, havia ficado em Jerusalém. Ao perceberem passam a procurá-Lo, Ele estava no templo fazendo questionamentos aos líderes religiosos. Após três dias de procura e ansiedade eles o encontram.

O relato em Lucas diz que: “assim que seus pais o avistaram, ficaram perplexos. Então sua mãe o inquiriu: “Filho, por que agiste assim conosco? Teu pai e eu nos angustiamos muito à tua procura!” Então Jesus lhes perguntou:

“Por que me procuráveis? Como não sabíeis que era meu dever tratar de assuntos concernentes ao meu Pai?” Mas eles não compreenderam bem o que lhes explicara. [...]" (Lc 2.48-50)

Enquanto Maria estava desesperada, Jesus lhe dá uma resposta espiritual, Ele estava na casa do Seu Pai. Talvez em outra situação diríamos: “mas que menino mal-educado, como desconsidera a autoridade dos seus pais e some assim, sem mais nem menos.” É exatamente assim que os próprios pais dele possivelmente pensaram, e que pais não pensariam? Mas Jesus vivia outra realidade, compreendia quem era desde pequeno. Nem a cultura, nem a organização deste mundo pôde influenciar suas decisões: o Seu reino é o de Deus, onde Ele é o comandante. É lindo pensar nisso e, ao mesmo tempo aterrorizante, pois a responsabilidade que estava sob seus ombros era muito grande.

A mulher Samaritana em João 4 é outro exemplo de como Jesus falava espiritualmente e não era compreendido. Ele ofereceu água da vida à mulher, ela pensava que ele estava falando sobre água comum, que tomamos para matar a sede do nosso corpo. O diálogo se deu com os dois falando a respeito de coisas diferentes.

Jesus respondeu a ela: “Se conhecesses o dom de Deus e quem é o que te pede: ‘dá-me de beber’, tu lhe pedirias, e Ele te daria água viva.” Indagou-lhe a mulher: “Senhor, tu não tens com que pegar água, e o poço é fundo; onde tu podes conseguir essa água viva? Acaso tu és maior do que nosso pai Jacó que nos deu o poço, do qual ele mesmo bebeu e, bem assim, seus filhos e seu gado?” Jesus afirmou-lhe: “Quem beber dessa água terá sede outra vez; aquele, porém, que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede. Ao contrário, a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna.”

A mulher lhe pediu: “Senhor! Dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede, nem precise voltar aqui para tirar água.” (João 4.10-15)

É bem possível perceber que eles estão falando de coisas diferentes. Enquanto Jesus falava de uma água espiritual que dá vida, a Samaritana falava de água natural que mata a sede do corpo. Talvez, mais adiante na conversa, a Samaritana tenha entendido o que de fato Jesus estava dizendo, porque contou a outras pessoas aquilo que Jesus lhe falou, e estas igualmente creram nele.

“Muitos samaritanos daquela cidade creram nele, em virtude da palavra daquela mulher que testemunhara. [...] Assim, quando os samaritanos se encontraram com Jesus, insistiram em que se hospedasse com eles, e Ele ficou dois dias. E muitos outros creram, por causa da sua Palavra.

Então disseram à mulher: “Agora cremos, não somente por causa do que tu falaste, mas porque nós mesmos o ouvimos e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo.”" (João 4.39-42)

Mesmo diante de dificuldades na comunicação com os homens, por vezes as palavras de Cristo conseguiam acessar corações humildes e abertos para com Suas palavras de vida eterna. As falas espirituais de Jesus mostram a face de um Deus que andou entre os homens e trouxe a Sua realidade para a realidade terrena.

Atualmente, estamos permeados por uma dificuldade em encaixar as coisas espirituais no contexto das coisas terrenas. A sociedade pós-moderna tenta abafar as vozes que falam das coisas do céu. Estamos em um contexto semelhante ao de Cristo. Existia a religião da época, à qual era respeitada, porém o que Jesus dizia não tinha a ver com religião, era espiritualidade. A religião dos fariseus tinha voz, o evangelho de Jesus, por sua vez, era considerado uma blasfêmia.

Hoje, tanto a religião quanto o evangelho podem ser considerados uma ofensa, não contra Deus, mas contra os homens, porque, no nosso contexto pós-moderno, os homens estão no centro do universo, e Deus é um ser que não se sabe se existe. Em qualquer uma das esferas que representam a secularidade atual, as falas de Jesus não se encaixam. Como diz Paulo: “Pois a mensagem da cruz é loucura para os que estão sendo destruídos, porém, para nós que estamos sendo salvos, é o poder de Deus.” (1Co 1.18)

Somente aqueles que aceitam a loucura do evangelho podem entender que as falas espirituais de Jesus são mais que apenas uma ideologia, não são apenas mais um ensinamento dentre tantos, mas são o poder de Deus manifesto para salvar o homem dos seus pecados e da morte eterna.

Por Marlon Anezi






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