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Todas as pessoas serão salvas?

Esta pergunta é capciosa e causa muita controvérsia e discussão. Primeiramente, existem diferentes perspectivas na literatura teológica que se posicionam em relação a este assunto e dentre estas distintas visões está o universalismo, que acredita que todas as pessoas serão salvas. Em 2017, a Netflix lançava o filme "A Caminho da Fé". Trata-se de um filme baseado em fatos reais. No início dos anos 2000, o bispo Carlton Pearson, um renomado pastor de uma comunidade pentecostal, se deparou com a história de genocídio de Ruanda. Impressionado com o fato de muitas pessoas sofrendo e morrendo instantaneamente, ele se questiona: "será que Deus mandaria todas essas pessoas para o inferno só porque elas não eram cristãs?" A resposta que ele diz ter recebido de Deus é que aquelas pessoas seriam salvas. Sua posição universalista não foi compreendida por sua igreja. Pearson não renuncia a sua posição e é abandonado pelas pessoas de sua comunidade religiosa.

A pergunta do bispo Pearson não é nova, fala sobre algo que a sociedade pós-moderna teve que aprender a lidar: os questionamentos a respeito da salvação. Antigamente, era muito comum dizer, no contexto da Igreja Cristã: 'fulano, vai para o inferno', 'Ciclano saiu do caminho', 'Beltrano segue o anticristo'. Herdamos essa cultura presente na Igreja Antiga e Medieval. Hoje em dia, há um cuidado maior em relação a esse tipo de expressão, pois são, de alguma forma, ofensivas para o nosso tempo. As pessoas pensam mais hoje, questionam mais e o número de preconceitos conhecidos aumentou muito. Afirmar que alguém está no inferno também se tornou, em nossa época, uma espécie de tabu, afinal, ninguém quer ir para lá (espero eu). Entretanto, é pertinente questionarmos como a Palavra de Deus trata esse assunto. Será que a Bíblia dá margem para essa perspectiva, onde todas as pessoas, indistintamente, são salvas?

Esse questionamento é muito complexo, devido ao número de grupos que precisamos contemplar. A Bíblia sempre faz alusão aos salvos e aos perdidos. Porém, essa divisão não consegue demonstrar precisamente o retrato que é possível fazer da humanidade. A pergunta que, por vezes, fica é: quem são, de fato, os salvos? Quem são os perdidos? Serão os salvos muitos ou poucos? Aqueles que não conheceram o evangelho serão salvos? O lugar para onde os perdidos irão, é de fato, o inferno? Todas essas perguntas vêm de carona com o questionamento referente à salvação de todas as pessoas. Neste texto, vou me ater apenas ao questionamento principal, que dá início a este texto: “Todas as pessoas serão salvas"?

Um dos argumentos que os universalistas levantam para falar sobre a salvação de todas as pessoas é baseado em 1Tm. 2.4, que fala que Deus deseja que todas as pessoas sejam salvas e cheguem ao pleno conhecimento da verdade. Esse desejo de Deus não significa que Ele fará acontecer ou já determinou que acontecerá dessa forma. A interpretação de alguns não coloca distinção entre o desejo de Deus e a ação de Deus, e até mesmo as limitações dessa ação. As ações de Deus podem ser limitadas pelo próprio caráter d’Ele. Ele não salva aqueles que não desejam ser salvos, ou seja, Ele não rompe com o livre-arbítrio que Ele mesmo instituiu. Uma prova de que o desejo de Deus difere da ação de Deus é que Ele quer que todos cheguem ao pleno conhecimento da verdade, porém, infelizmente, nem todos chegam a esse conhecimento. Muitas pessoas morrem sem conhecer a Cristo, a verdade que as Escrituras falam. No livro de Atos, Paulo fala que Deus não leva em conta os tempos de ignorância (At 17.30). Não acredito ser adequada a perspectiva que condena todas as pessoas ao inferno sem distinguir se receberam o conhecimento do evangelho ou não. No final das contas a salvação é um mistério de Deus, apenas Ele pode definir quem está salvo ou não, nós temos alguns indícios, alguns sinais que nos fazem tirar conclusões que são apenas pistas, ou seja, por vezes colocamos um peso em determinados sinais maior do que o peso que realmente possuem, como se as pistas fossem conclusivas.

Alguns textos que podem nos ajudar a compreender isso são 1Pe 4.18, onde o apóstolo diz: “E, se é com dificuldade que o justo é salvo, que será do ímpio e do pecador?” O texto dá a entender que para o justo já há dificuldade em ser salvo, quanto mais para aquele que não passou pela justificação, o grau de dificuldade é muito maior. Este texto trata da dependência de Cristo e da Sua justiça imputada sobre nós, para a nossa salvação.

No Sermão do Monte, Jesus fala: "Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram por ela. Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida! São poucos os que a encontram." (Mt 7.13-14) Mais um texto que fala sobre a dificuldade que há em se salvar, pois são poucos que encontram a porta estreita e entram por ela. Neste texto, Cristo está fazendo alusão a Ele próprio. Ele é esta porta estreita, viver de acordo com Seus princípios não é uma tarefa fácil.

Em Romanos 10.9 está escrito: "Se você confessar com a sua boca que Jesus é Senhor e crer em seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo." Novamente, neste texto, há o relato da salvação através de Jesus. A Bíblia não dá outro caminho.

É importante destacar que não somos nós mesmos que nos salvamos através de obras praticadas por nós. A Palavra deixa claro que Ele nos salva (Tt 3.5). As Escrituras também dizem que Jesus veio para buscar e salvar o perdido (Lc 19.10). Apesar de afirmar a dificuldade que há em salvar-se, as Escrituras falam de um Deus que se tornou homem e veio ao mundo para perdoar e salvar. A intenção de Deus não é de condenar, mas sim de salvar. Estamos amparados pela Sua graça em todos os instantes. Porém, nem todas as pessoas serão resgatadas, pois não se propuseram a entrar pela porta estreita. Preferiram a porta larga e não se apoiaram na salvação oferecida e comprada por Cristo para todos. Por isso, nem todos serão salvos. Não porque Deus não morreu por todos, pois Ele morreu por todos (2Co 5.15), nem porque não deu o conhecimento da verdade a todos. De fato, nem todos conhecem o evangelho, mas seria injusto condená-los por algo que não lhes foi dado a conhecer. Penso que Deus julgará cada um de acordo com aquilo que sabe. Muitos não serão salvos porque rejeitaram o caminho da salvação através de Jesus. Ou seja, obtiveram o conhecimento da verdade, porém não a aceitaram. Esta é a causa única e principal de algumas pessoas não serem salvas.

Por Marlon Anezi




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