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A liberdade de não estar bem o tempo todo

Já estive dos dois lados. Já fui a pessoa que, na melhor das intenções, disse um “veja pelo lado bom” para alguém que sofria. E já fui aquele que, com o coração partido, ouviu um “pense positivo” e se sentiu ainda mais sozinho. A gente conhece bem essas frases, não é? Elas fazem parte de uma atitude muito comum que passou a ganhar um nome na década passada, sendo chamada de “positividade tóxica" — uma pressão para anular qualquer sentimento negativo, como se a tristeza, a dúvida ou o medo fossem falhas de caráter, ou ainda, fossem os culpados por algo dar errado em nossas vidas.

Em minha experiência pessoal, percebi que na busca por negar o negativo, a gente acaba quebrando a conexão com as pessoas. Por vezes, acabamos oferecendo um otimismo superficial onde era necessária uma empatia que se manifesta em sensibilidade e vulnerabilidade.

Negar a dor não faz com que ela desapareça. É como esconder a sujeira debaixo do tapete; a gente finge que o caos não existe, mas ele continua lá, crescendo no escuro. E, além disso, a Bíblia nunca nos prometeu uma vida sem dor. Pelo contrário, ela nos mostra um Deus que participa conosco da dor. Na cruz, Jesus não gritou uma frase de autoajuda. Ele gritou com honestidade: “Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27.46). A vulnerabilidade de Cristo em sua maior dor nos convida à sermos honestos. Ele nos dá permissão para não estarmos bem.


A “positividade tóxica” é, no fundo, uma forma de tentarmos nos colocar no lugar de Deus. É acreditar que a força das nossas palavras pode controlar o universo, quando, na verdade, é a Palavra d’Ele que o sustenta.

O apóstolo Tiago nos dá um puxão de orelha amoroso sobre isso. Ele nos adverte contra a arrogância de dizer “faremos isso e aquilo”, como se fôssemos donos do amanhã. Em vez disso, ele nos ensina a postura da humildade: “Se Deus quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo” (Tg 4.15).

Essa pequena frase muda tudo. Ela nos liberta do peso de ter que esconder a nossa limitação, de ter que ser positivo o tempo todo. Ela nos convida a relaxar e a descansar no cuidado de um Deus que não tem medo das nossas dores, das nossas dúvidas ou dos nossos dias ruins.

Que a gente possa trocar a pressão por “ser positivo” pela liberdade de “ser honesto” diante de Deus e dos outros. Ele nos acolhe por inteiro, com nossas luzes e sombras. E é nesse acolhimento que encontramos a verdadeira paz.

Com um abraço,

Marlon Anezi

Você já se sentiu pressionado por essa “positividade tóxica?” Como você lida com isso? Compartilhe sua experiência nos comentários, vou adorar ler.



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